segunda-feira, 10 de março de 2008

Menino Jesus

"Num meio.dia de fim de Primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer á terra.
[...]
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como outras crianças.
O seu pai era duas pessoas--
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era um pomba estúpida
A única pomba feia do mundo
Porque não era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.
Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!
[...]
Diz.me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar no chão
E a dizer indecências.
A virgem Maria leva as tardes de eternidade a fazer meia.
E o espírito Santo coça.se com o bico
E empoleira.se nas cadeiras e suja.as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz.me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou.
[...]
Depois ele adormece e eu deito.o.
Levo.o ao colo para dentro de casa
[...]
Ele dorme dentro da minha alma
E ás vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate as palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.
[...]
Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há.de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?"

Alberto Caeiro. in Poemas